O casarão do largo, onde hoje se encontra hoje o Museu e Biblioteca Abelardo Vergueiro Cesar, foi testemunha da formação do nosso querido Espírito Santo do Pinhal.

Romualdo de Sousa Brito, fundador da cidade, nasceu em Moji das Cruzes no final do século XVIII e com vinte anos morava em Bragança, depois em Moji Mirim onde se casou aos 23 anos com Maria Francisca de Oliveira. Quando ele tinha 36 anos, em 1828, comprou, a princípio, 100 alqueires de terras no que seria hoje a nossa cidade. Essas terras ficavam logo depois da saída de Espírito Santo do Pinhal para Albertina, estendendo-se a partir da estação da Sabesp nos dias de hoje. Aqui viveu feliz com sua esposa e seus 14 filhos por cerca de 14 anos, até que ela faleceu em 1842. Romualdo tinha, então 50 anos. Alguns anos depois casou-se com Teresa Maria de Jesus, 29 anos mais jovem do que ele. Quando se casaram ele tinha 52 e ela 23 anos. Tiveram mais 8 filhos. Depois que o casal decidiu doar 40,0 alqueires para constituir um patrimônio consagrado ao Divino Espírito Santo, foi separado um local para a construção de uma capela e a cidade começou a surgir. Isso ocorreu em 27-12-1849. Romualdo viveria mais 20 anos e seria sepultado no interior da Igreja Matriz. Depois da doação de terras ele construiu a sua casa na atual esquina da rua Sousa Brito com a rua Direita, no Largo da Matriz. Ficava do lado oposto ao prédio da Paulicéia. Onde mais tarde residiu a família do sr Ernesto Selitto.

Seu primeiro filho morreu ao nascer, assim, consideramos que seu primogênito era: José Antônio de Sousa Brito (conhecido por “José Romualdo”) que nasceu em Moji Miriam (do seu primeiro casamento) em 1819. Casou-se em 1870 na Igreja Matriz de Espírito Santo do Pinhal com Idalina Saturnina de Vasconcelos. Ele tinha 61 anos e ela 15 anos. Tiveram dois filhos legítimos: José Espíndola de Sousa e Guilhermina Carolina de Sousa. Ao falecer em 1889, ele deixou vários bens, inclusive “uma casa de sobrado no Largo da Matriz do Pinhal, (trata-se do atual edifício do Museu e Biblioteca Pública do Pinhal). José Romualdo construiu na segunda metade do século XIX um “sobrado” que é “uma edificação de dois ou mais andares. Na época do Brasil Colônia os sobrados eram as residências dos senhores nas cidades e marcaram o início de uma tímida urbanização do Brasil”

Depois do falecimento de José Romualdo em 1889, sua viúva Idalina vendeu o casarão para FRANCISCO XAVIER RIBEIRO, filho de João José Ribeiro e de Teresa Marcelina Xavier. João José era um dos três irmãos que vieram de Caldas, MG para comprar as Três Fazendas, entre Pinhal e São João da Boa Vista. Francisco Xavier Ribeiro era casado com sua prima Maria José (Mariquinha), ela filha de Manoel Luís Ribeiro e Inácia Ângela Xavier. Portanto, eles eram primos por parte de pai e de mãe. Manoel Luís era outro dos três irmãos que vieram de Caldas para comprar as Três Fazendas. Xavier Ribeiro faleceu em 1902 aos 64 anos, vítima de gangrena tetânica. Faleceu na casa onde hoje é o museu. Maria José, sua viúva, continuou a morar no sobrado onde faleceu em 1919 em consequência de gripe prolongada e de pertinaz tosse, talvez tuberculose. Ela era conhecida na família como “vovó do Sobrado”.

Maria José Ribeiro, a tia ou “vovó Mariquinha do Sobrado” teve grande fibra para enfrentar os problemas da vida: cinco filhos seus morreram jovens (Francisco Gabriel, Inácia Porcina, Carolina, Annaniza e Tereza Martinho); uma filha, Maria José que tinha o mesmo nome da mãe, tinha problemas mentais, um filho, Manoel, era cego, ela perdeu 3 netos ( Mineco com 11 anos , afogado na represa, Francisco de 1 ano ( filhos de seu filho Francisco Gabriel) e outro, também Francisco, de 3 anos, filho de Tereza Martinho. Ela criou as netas, filhas de Inácia (Ignezita que se casou com Dr Chiquinho Porto) e de Tereza Martinho (Francelina que se casou com Nezinho (Manoel Pio Ribeiro Júnior) e Maria de Lourdes que se casou com Cirino Pio Ribeiro). Ela cuidou de seu irmão Satiro, que era também seu genro, pois havia se casado com sua filha Ricardina Ubaldina.

Satiro foi um triste e folclórico personagem que viveu no sobrado de sua mãe. Ele sempre deu sinais de perturbações mentais, o que era agravado por seu gênio violento.

Vários episódios demonstram a sua perturbação mental: brigou com um empregado de seu irmão por causa de uma lamparina. O empregado estava lendo um jornal e sua esposa Deolinda pediu a Satiro que lhe passasse a lamparina para o marido enxergar melhor. Ele a ofendeu dizendo que “ela era bruta e que estava dando coice” e tentou expulsá-los da casa da fazenda que não era dele. O empregado se recusou a sair e Satiro o esfaqueou oito vezes com um punhal. Felizmente, o empregado não morreu, mas o caso foi parar na delegacia. Para a tristeza de seu irmão Manoel Luís que era o delegado. Foi instaurado um Processo Crime.

Certa feita, Satiro chegou à Fazenda Boa Esperança à noitinha, com o arreio às costas, pois havia matado a tiros seu cavalo que lhe parecera meio estranho, parecendo estar dominado pelo “capeta”. Buscou abrigo na casa de seu irmão Manoel Luiz e as crianças, netos do dono da fazenda, se assustaram muito, principalmente quando ele segurou Quim Agnelo nos braços para fora do parapeito do terraço e perguntou se ele estava com medo. Como o menino dissesse que não, ele respondeu: “Ainda bem, senão eu lhe jogaria para fora”. Naquela noite em que ele se hospedou na sede da fazenda do irmão, as crianças dormiram todas juntas, com tranca passada por dentro da porta do quarto. Por essas e mais outras, sua esposa veio a requerer sua interdição por debilidade mental. Foi ele morar com sua irmã e sogra Maria José (vovó Mariquinha do Sobrado), casada com Francisco Xavier Ribeiro e passou a residir na casa onde hoje é o Museu e Biblioteca. Conta-se que ele saía nas varandas do andar superior e laçava as pessoas que passavam na rua, deixando-as “hasteadas” a meio pau, ou então tentava pescá-las com linha e anzol.

Em outra ocasião, quis jogar uma “negrinha” lá de cima, numa outra oportunidade jogou um cobertor nos fios elétricos e provocou um grande fogaréu e curto circuito. As crianças fugiam aterrorizadas em sua presença, pois costumava dar-lhes varadas nas pernas. Certa vez cortou o focinho de seu cavalo deixando o com os dentes à mostra e saiu pela cidade com o pobre animal. Numa festa junina no Pinhal onde se soltavam fogos no Largo da Matriz as mulheres encostaram-se na parede do casarão para apreciar o espetáculo e puseram as crianças (filhos de Luís Baldassari e Teresa Benassi) nos parapeitos das janelas. De repente, as mesmas começaram a gritar e eles viram o Antonio Satiro do lado de dentro beliscando as crianças. As mulheres corriam de medo dele. Minha avó Haydée contava que a sobrinhada adorava ir na casa da vovó do Sobrado, pois havia sempre uma mesa de quitutes no segundo andar. As meninas tinham que subir a escada, mas, no primeiro patamar, lá estava tio Satiro com uma faca, cortando os pelos da perna e olhando feio para elas. Elas passavam encostadas na parede, com muito medo.

O tratamento para doenças mentais ainda não tinha o desenvolvimento de hoje em dia, assim, a família tinha que conviver e cuidar dos seus, o que é desejável, porém sem os medicamentos e abordagens que só apareceram anos depois.

Dessas dificuldades é que temos notícias a respeito de Maria José.

Seu neto Márcio Ribeiro Porto que foi deputado estadual, fala carinhosamente sobre ela em seu livro “Um pedaço de minha vida”. O que sabemos é que ela adorada no seio da família, acolhendo seus netos que vinham à cidade para namorar (o caso de seu neto Zito que namorava sua futura esposa Amália Kirsch). Recebia sempre os sobrinhos para lanches deliciosos e deixou ternas lembranças. Com a morte de Maria José em 1919, o casarão ficou para seus herdeiros e provavelmente tenha ficado para seu filho João Pio (falecido em 1926) pai de : Zito, Cotinha casada com José Gaspar de Oliveira e Dadita casada com Angelim Oricchio, pois quem vendeu o prédio da Biblioteca à Prefeitura foi o Gaspar. O valor da venda foi de 13 contos.

Precisamos verificar quando a prefeitura o comprou. O que sabemos é que em 1943 Abelardo Vergueiro Cesar que dirigia o Conselho Estadual de Bibliotecas e Museus conseguiu recursos para a instalação de nossa Biblioteca e Museu. Homem extraordinário, trouxe muitas melhorias para sua terra natal. A inauguração da biblioteca e museu que, numa justa homenagem recebeu seu nome, contou com a presença de muitos membros da elite intelectual de São Paulo, amigos de Abelardinho : Guilherme de Almeida, José Lins do Rego, Menotti del Picchia. Era amigo de Monteiro Lobato e muitos outros.

Posteriormente, foi instalada, pelo poder público, uma biblioteca para as crianças na casinha anexa. Nas décadas 1950 / 1960 essa casinha foi utilizada como Grêmio Estudantil “Francisco Álvares Florence” e como sede da inesquecível Pin Pauli.

Este sobrado tem muitas histórias.......

Ana Lucia Ribeiro de Almeida Vergueiro

Outubro de 2023

  • dados históricos baseados em pesquisas de Roberto Vasconcelos Martins
  • histórias contadas por meu saudoso tio Ciro Vergueiro Ribeiro